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Brevetadas as primeiras aviadoras brasileiras

Ainda hoje paira uma dúvida sobre qual aviadora realmente teria sido a primeira a receber o brevê no Brasil: Thereza de Marzo ou Anésia Pinheiro Machado. Para o jornalista especializado em aviação e historiador, Roberto Pereira, não há dúvidas. “As duas receberam os brevês com a diferença de apenas um dia e, sem dúvida nenhuma, Thereza foi a nossa pioneira”, afirma Pereira. A aviadora nasceu em 6 de agosto de 1903, em São Paulo, e desde cedo cultivou o gosto pela aviação. No entanto, encontrou logo de início uma grande barreira para realizar seu sonho: seu pai, o italiano Alfonso de Marzo. Para o industrial, lugar de mulher era dentro do lar, cuidando da família. Um pensamento um tanto machista, mas comum entre a maioria dos homens no início do século 20. As dificuldades só foram superadas quando Thereza de Marzo conseguiu convencer o pai ao ganhar o apoio da mãe, Maria Riparullo.

A jovem foi orientada na época por vários aviadores, alguns veteranos da Primeira Guerra Mundial, entre eles os irmãos italianos Enrico e João Robba, e o principal incentivador, Fritz Roesler, alemão natural de Estrasburgo e que obteve a cidadania brasileira em 1932. Thereza de Marzo evoluiu muito bem na pilotagem da própria aeronave, um francês Caudron G-3, de 90 kW (120 hp), comprado na época por oito contos de réis. No dia 17 de março de 1922 realizou o voo solo e o check aconteceu poucos dias depois, quando foi aprovada com distinção pela banca examinadora formada por Luís Ferreira Guimarães, diretor do Aeroclube do Brasil; o instrutor Fritz Roesler; o piloto e instrutor João Robba; e os deputados Manuel Lacerda Franco e Amadeu Saraiva. A aviadora recebeu o brevê nº 76 de Piloto-Aviador da Fédération Aeronautique Internacionale no dia 8 de abril de 1922, tornando-se oficialmente a primeira aviadora brasileira.

Thereza de Marzo acabou se casando com o instrutor Fritz Roesler em 25 de setembro de 1926. Só o que ninguém esperava era que o até então grande incentivador cortaria as asas da piloto de uma maneira tão drástica. O fantasma dos velhos preconceitos se fez presente, e o ciumento Roesler determinou que ela deixasse de voar alegando que bastava um aviador na família. A aviadora se resignou, abandonando a grande paixão de voar, com um total de 329 horas e cinquenta e quatro minutos de voo em caderneta. Ainda teve destaque no histórico reide aéreo entre São Paulo e Santos, por ocasião das comemorações do centenário da Independência, em 1922, que reuniu diversas personalidades ligadas à aviação, entre elas Sacadura Cabral e Gago Coutinho. Thereza de Marzo, aliás, foi cicerone dos aviadores portugueses, que ficaram famosos por terem realizado a primeira travessia aérea do Atlântico Sul.

Apesar de abandonar a pilotagem, Thereza de Marzo continuou trabalhando ao lado do marido em empreendimentos voltados para a aviação, que incluíram a criação da Escola de Pilotagem e do Clube de Planadores, no Campo de Marte, em São Paulo. Nos hangares, Roesler, que também era engenheiro, construiu os primeiros planadores EAY-101 e aviões “Paulistinha” EAY-201, modelo que tinha projeto baseado na versão americana do Taylor Cub.

Em 1976, já com 73 anos de idade, Thereza de Marzo foi condecorada com a Ordem do Mérito Aeronáutico. Faleceu dez anos depois, em 9 de fevereiro de 1986, e seu corpo está sepultado no cemitério do Araçá, em São Paulo.

Contemporânea de Thereza de Marzo, a aviadora Anésia Pinheiro Machado tem história semelhante, mas foi mais feliz, já que ninguém interrompeu sua jornada na aviação, tendo realizado diversos reides ao longo de três décadas. Nascida no dia 5 de junho de 1904, em Itapetininga, interior paulista, Anésia iniciou as atividades aeronáuticas na mesma época que Thereza e também teve o mesmo instrutor, o alemão Fritz Roesler. O voo solo aconteceu na mesma data que o de Thereza de Marzo, em 17 de março de 1922, mas o brevê, de número 77, acabou emitido no dia seguinte, em 9 de abril de 1922.

De olho no sucesso de Thereza de Marzo e no destaque que a mídia deu ao reide da Independência realizado entre São Paulo e Santos, Anésia resolveu apostar num voo mais longo para que pudesse também merecer a atenção da imprensa e das autoridades. Executou um trecho interestadual entre as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro. O voo foi operado em monomotor Caudron G3, o mesmo tipo operado por Thereza, batizado com o nome de “Bandeirante”. Nos dias atuais, um voo neste trecho é realizado em apenas 40 minutos em aeronaves a jato, mas, naquela época, representava um grande desafio. Anésia levou quatro dias para chegar ao seu destino final, mas voava apenas uma hora e meia por dia, já que tinha que parar para reabastecer e executar a manutenção de rotina. Na chegada ao Rio de Janeiro, foi recepcionada por autoridades governamentais e o aviador Alberto Santos Dumont, que lhe deu uma medalha de ouro, réplica de uma condecoração que recebeu da princesa Isabel. A medalha virou amuleto da sorte de Anésia, que a carregou consigo até o final da vida.

Do pequeno voo entre São Paulo e Rio de Janeiro, a aviadora mais tarde cruzou as Américas, percorrendo pouco mais de 17.000 km. Destaque para o voo entre Nova York e o Rio de Janeiro realizado em aeronave monomotora Kian-Navion Super 260 e o cruzamento da Cordilheira dos Andes, de Santiago do Chile a Mendoza, na Argentina.

Foram muitos desafios, que exigiram coragem, superação e boa pilotagem. Anésia Pinheiro Machado acabou oficialmente reconhecida e proclamada como Decana Mundial da Aviação Feminina, em 1954, pela Federação Aeronáutica Internacional (FAI), durante a Conferência de Istambul, na Turquia. Anos antes, fora convidada pelo governo norte-americano para realizar um curso avançado de aviação na CAA (Civil Aviation Administration), hoje denominada FAA, a administração federal de aviação civil dos Estados Unidos. Também frequentou as aulas de voos por instrumentos ministradas em Nova York nas instalações da Pan American World Airways, sendo que o convite partira da própria companhia norte-americana.

Anésia ganhou tanto prestígio na América do Norte que, durante uma de suas viagens, conseguiu atrair atenção das autoridades ligadas à exploração espacial. Ela fazia campanha para que uma das crateras da Lua recebesse o nome de Alberto Santos Dumont e, no final das contas, seu esforço acabou sendo recompensado. Durante a 15ª Assembleia Geral da União Aeronáutica Internacional, realizada na Austrália, foi aprovado o nome do aviador como nova designação da cratera, antes batizada como Hadley-B. Detalhe: até hoje nenhuma área da Lua tem o nome dos irmãos Wright, considerados pelos norte-americanos os verdadeiros inventores do avião. A cratera Santos Dumont está localizada nas imediações do lugar onde pousou a nave espacial Apollo 15, que executou a primeira missão de caráter eminentemente científico e a primeira que utilizou o jipe lunar.

Anésia faleceu no dia 10 de maio de 1999. Cremada, teve as cinzas transferidas para uma urna, hoje exposta no acervo do Museu do Cabangu, localizado na cidade mineira de Santos Dumont, e que se dedica à preservação da memória do chamado “pai da aviação”.

Fonte e fotos: MUSAL – Força Aérea Brasileira

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