Entrevista

Entrevista sobre fusão entre a GOL e a AZUL

No cenário dinâmico do mundo dos negócios, a tomada de decisões estratégicas é crucial para o sucesso de qualquer empresa. Para obter insights valiosos sobre os desafios e oportunidades que moldam o mercado atual, tivemos o privilégio de entrevistar José Carlos Souza Filho, renomado professor da FIA Business School com vasta experiência em economia, administração e finanças.

Com uma trajetória acadêmica e profissional de destaque, José Carlos Souza Filho é economista, administrador e contador formado pela Universidade de São Paulo (USP), com mestrado e doutorado pela mesma instituição. Possui especializações pela Youngstown State University, nos Estados Unidos, e pela Manchester Business School, na Inglaterra.

Atualmente, exerce a função de professor da FIA Business School e atua como consultor na área de treinamento, capacitação e seleção de executivos em ambientes simulados. Além disso, é coautor de diversos livros e autor de artigos nacionais e internacionais. Possui certificação CPA-10 da Anbima.

José Carlos Souza Filho comentou sobre a fusão entre a Azul e a Gol, duas das maiores companhias aéreas do Brasil. Ele analisou os possíveis impactos da fusão para o mercado de aviação, para os consumidores e para os funcionários das empresas.

Uma entrevista imperdível para quem busca insights valiosos sobre o mundo dos negócios e a economia brasileira.

  • Do ponto de vista estratégico, quais os principais motivadores por trás da fusão entre a Gol e a Azul? Quais sinergias e vantagens as empresas buscam alcançar com esta união?

    A possível fusão entre as companhias aéreas Azul e Gol pode colocar 60% do mercado nacional de aviação civil nas mãos de um único grupo e afetar os preços das passagens por conta da concentração e da redução de opções para os clientes. As sinergias existem na otimização de rotas e voos, na estrutura necessária em solo e possivelmente uma racionalização na alta administração por conta dos cargos equivalentes.
  • Considerando o cenário atual do mercado aéreo brasileiro, como a fusão impactará a concorrência? Haverá uma diminuição na oferta de voos ou uma maior concentração de poder nas mãos da nova empresa?

    O setor aéreo brasileiro, há décadas, apresenta turbulências e graves problemas de continuidade na prestação de serviços, o que impacta diretamente a economia e encarece o transporte aéreo por diversos fatores. Essas questões levaram empresas como a TAM e a Gol a recorrerem à corte norte-americana para viabilizar processos de reestruturação societária, bem como muitas outras a irem à falência. O alto custo do querosene de aviação, somado ao número de litígios e ao porte das aeronaves, torna o transporte aéreo ainda mais oneroso, especialmente considerando que a população, em grande parte, não possui renda suficiente para adquirir bilhetes aéreos. Uma parceria entre Gol e Azul, embora possa trazer benefícios operacionais, pode também gerar preocupações, pois representaria um duopólio que limitaria as opções do consumidor com consequências nos preços e nas opções de voo e rotas.
  • Para os consumidores, quais serão os principais efeitos da fusão? Podemos esperar preços mais altos, menos variedade de rotas ou mudanças nos programas de fidelidade?

    De forma geral, uma fusão apresenta algumas consequências. Primeiramente foi identificado um problema (ou vários) que justificaram a iniciativa e eventualmente um “due diligence” que corresponde à troca de informações entre as partes. Sem dúvida existirão ganhos de escala (fazer uma vez só o que antes se faziam duas vezes) e de escopo (na manutenção de aeronaves, por exemplo). Mas a redução da oferta pela eliminação das rotas coincidentes deverá pressionar a demanda, com efeito nos preços. Quanto aos programas de fidelidade, vai depender de qual modelo será adotado, e de que forma será feita a adesão dos clientes de uma e de outra.
  • Em relação aos funcionários das empresas, de que forma a fusão afetará o mercado de trabalho? Haverá demissão, mudanças nas condições de trabalho ou novas oportunidades?

    A fusão entre a Azul e a Gol pode impactar o mercado de trabalho na aviação brasileira, tanto positiva quanto negativamente por conta de alguns aspectos que devem ser analisados e com certeza fará parte da pauta do CADE. 

    Impactos positivos
  • A fusão pode fortalecer a malha aérea regional, que historicamente tem sido subaproveitada. 
  • Pode aumentar a competitividade internacional das empresas, permitindo-lhes expandir para novos mercados. 
  • Pode criar uma companhia brasileira forte e saudável financeiramente, com capacidade de investir. 

    Impactos negativos
  • Pode reduzir a diversidade de voos e aumentar os preços. 
  • Pode criar um ambiente propício para práticas anticompetitivas. 
  • Pode implicar em desafios na integração de frota, o que pode afetar o treinamento de pilotos e mecânicos. 
  • Quais são os desafios e riscos envolvidos nesse processo de fusão? Como as empresas pretendem lidar com questões como a integração de equipes, sistemas e culturas organizacionais?

    Os desafios são imensos. Por conte deles, a expectativa é de em um futuro ambas as empresas de fato se tornem uma só. Todavia, em princípio, Azul e Gol seguirão operando como marcas independentes. Elas afirmam que isso não tem impacto na estratégia, na condução dos negócios ou nas operações rotineiras. A Azul aponta que o objetivo da combinação de negócios é promover o crescimento da indústria aeronáutica brasileira, por meio de mais destinos, rotas, conectividade e serviços aos consumidores, com aumento da oferta de voos domésticos e internacionais. Segundo a empresa, as duas companhias aéreas têm aproximadamente 90% de rotas complementares e não sobrepostas. A questão tecnológica e de cultura vai depender da forma como a integração irá ocorrer, com o passar do tempo através da efetiva integração.
  • Do ponto de vista financeiro, como a fusão impactará a saúde econômica da nova empresa? Quais são as expectativas em relação à geração de valor para os acionistas?

    A composição que está sendo estabelecida entre as partes seria a Abra (Gol) com 31% da nova empresa, enquanto a Azul deverá deter 7%.

    A operação financeira deverá ocorrer assim:
  • Primeiramente a Gol aprova um aumento de capital e emite novas ações para credores
  • A nova empresa então converte as ações preferenciais em ações ordinárias, resultando em uma entidade de classe única listada no Novo Mercado da B3 e na NYSE
  • As empresas fundirão ações, seja com a Azul Holding se tornando uma subsidiária da Gol Holding ou vice-versa

    Conforme comunicado por ambas as empresas, o CEO da nova companhia aérea seria da Azul, ao passo que a cadeira de presidente do Conselho de Administração ficaria com a Gol. No conselho, três membros seriam indicados pela Azul, três seriam da Abra e haveria ainda outros três membros independentes. Isto deve propiciar uma maior possibilidade de acompanhamento e controle, com uma perspectiva de geração de valor para os acionistas. Uma pré-condição é que a Gol resolva sua pendência com o Chapter 11 americano (Lei de Falências).
  • Considerando o histórico de outras fusões no setor aéreo, quais lições podem ser aprendidas para evitar erros e garantir o sucesso da operação?

    Algumas fusões apresentaram sucesso. Pode-se assinalar entre as bem sucedidas:
  • Gol e Varig em 2007 (onde a Gol assumiu a parte saudável da companhia)
  • TAM e Pantanal em 2009 (onde a TAM assumiu a empresa com quem já possuía um code share)
  • TAM e LAN em 2010 (onde foi criada a LATAM)
  • Gol e Webjet em 2011 (com a aquisição de 100% da empresa pela Gol)
  • Azul e Trip (iniciada em 2012 e ainda não concluída)

    Além dessas, empresas como a Varig, Vasp e Transbrasil passaram por processos visando a sua continuidade. Pode-se dizer que em que pesem as dificuldades existentes no mercado brasileiro como juros altos para os financiamentos internos, dólar volátil para os financiamentos externos, combustível cotado em dólar e inflação afetando o mercado interno, o setor ainda possui algum dinamismo, o que explica de certa forma a tentativa de fusão entre as duas empresas aéreas.


  • Qual o papel do governo e dos órgãos reguladores nesse processo de fusão? Quais as expectativas em relação à análise e aprovação da operação?

    Os órgãos reguladores são responsáveis por analisar e aprovar processos de fusão de empresas, garantindo que as transações estejam em conformidade com a legislação vigente. 

    Como funciona o processo de fusão?

  • Os sócios ou acionistas das empresas envolvidas aprovam a fusão em assembleia geral. 
  • O processo é submetido à análise de órgãos reguladores, como o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE). 
  • A empresa deve estar em conformidade com todas as obrigações fiscais e regulatórias. 

    Quais são os órgãos reguladores? 
  • Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE)
  • Comissão de Valores Mobiliários (CVM)

    A preocupação maior será sempre a defesa da livre concorrência e o impedimento da formação de oligopólios e cartéis. Embora o órgão esteja sempre imbuído destes propósitos, às vezes algumas operações são aprovadas em favor da sobrevivência das empresas envolvidas, o que poderia representar uma situação muito pior em termos de empregos perdidos, arrecadação dos governos e outras consequências no caso de uma negativa.
  • Em termos de inovação e tecnologia, como a fusão pode impulsionar o desenvolvimento do setor aéreo no Brasil?

    A fusão entre Gol e Azul pode impulsionar o setor aéreo nacional em termos tecnológicos se o foco for a otimização de frota e os serviços que podem ser oferecidos. 

    Vantagens tecnológicas
  • A integração das frotas pode permitir a otimização de custos e a oferta de serviços mais competitivos. 
  • A fusão pode fortalecer a presença no mercado doméstico e internacional. 
  • A fusão pode ampliar a rede de rotas e serviços oferecidos, melhorando a experiência do consumidor. 
  • Embora trabalhem com frotas diferenciadas, poderão obter sinergias e direcionar de forma otimizada as aeronaves em função dos destinos e das distâncias.
  • Olhando para o futuro, como você enxerga o cenário do mercado brasileiro após a concretização desta fusão? Quais serão os próximos passos e desafios para a nova empresa?

    A fusão entre a Azul e a Gol poderia criar uma gigante do setor aéreo no Brasil, com mais de 60% do mercado. No entanto, a aprovação regulatória da fusão pode ser complexa. 

    As consequências esperadas poderiam ser: 
  • Uma empresa com 60% de share.
  • Poder de monopólio.
  • Ganhos de escala.
  • Redução da competitividade.

    Por outro lado, existem alguns problemas a serem superados:
  • O mercado aéreo brasileiro possui apenas 4 empresas, sendo uma com baixa participação. 
  • A integração da frota poderia ser complexa, já que as empresas usam diferentes aeronaves. 

    São problemas que a nova empresa, resultante desta fusão teria que enfrentar e solucionar a fim de não criar expectativas falsas para o mercado, de fato conseguir as sinergias e os ganhos de escala que uma fusão pode propiciar.
  • Em termos de concorrência, tendo em vista que o Brasil possui apenas 4 companhias aéreas para o transporte de passageiros, a fusão entre 2 companhias aéreas pode abrir precedente para um monopólio no futuro, caso esta fusão seja aprovada pelo CADE e tendo em vista a difícil situação da Voepass?

    O risco de monopólio existe em qualquer situação, quando se analisa a estrutura deste mercado em termos de custos, do tamanho da demanda, do modelo de financiamento das aeronaves, da tributação (das aeronaves e das passagens aéreas), da regulação trabalhista e dos combustíveis. Talvez a melhor forma de se garantir a existência das companhias é permitir as possibilidades de sinergias e incentivos para a manutenção do mercado. Há algum tempo existe a possibilidade de compra de passagens aéreas subsidiadas para aposentados, mas com uma cobertura bastante restrita.

Foto: Arquivo pessoal

Crédito: José Carlos de Souza Filho, professor da FIA Business School

Foto capa: Adriano Moura Buzeli – Revista Piloto Riberão

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