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Aterrissando as boas práticas da aviação para a gestão de peças de reposição

A indústria aeronáutica é conhecida por ser uma atividade que encanta muitas pessoas e conduz uma massa de entusiastas que admiram desde seu glamour até a complexidade de funcionamento de uma companhia aérea, sendo assim objeto de muitos documentários sobre seu funcionamento e modo de interação de sua cadeia de suprimentos.

No Brasil, a malha aérea transportou mais de 241 milhões de passageiros, de janeiro a setembro de 2022. O setor já chegou a contribuir (direta e indiretamente) por meio do turismo com US$ 18,8 bilhões para a economia brasileira (ANAC, 2018).

Frente a esta realidade, este artigo visa facilitar a utilização de preceitos deste mercado que esbanja controles e regulamentação, transpondo suas boas práticas a outras indústrias que também demandam alta performance na recuperação de ativos valiosos, tornando-os aptos ao serviço novamente.

O mercado de peças de reposição (spare parts) no Brasil é composto por uma gama de companhias que por sua vez integram diferentes setores, contendo desde peças para reabilitação de equipamentos hospitalares, passando por unidades que sustentam contratos que possuem seus indicadores pautados na disponibilidade de um bem de alto uso ou cujo efeito colateral de sua parada pode representar prejuízos financeiros de magnitudes muito superiores a somatória dos custos logísticos para mover a peça necessária entre seu local de fabricação até o ponto de utilização da mesma.

Assim, notamos clara similaridade entre a indústria aeronáutica que possui contratos de uso de aeronaves e suas peças pautadas na disponibilidade dos bens que asseguram a continuidade dos serviços com setores de tecnologia bancária, equipamentos médicos de alto padrão, ferramentais e equipamentos para extração de minérios, distribuição de óleo e gás e até mesmo a cadeia que sustenta a disponibilidade de utensílios para bens de consumo como cafeteiras industriais.

Desta forma, é fácil imaginar a perda de receita ou pagamento de multas pela indisponibilidade destes serviços causada por uma ruptura no supply chain, não?

Para avançarmos na conceituação das boas práticas que valem a pena serem transpostas a outros segmentos, podemos elencar pilares relevantes como:

1 – Controle de não-serviço, unsearviceable (ou good and bad control)

2 – Métodos de controle de versão de software para mesmo part number (item)

3 – Gestão de “intercambiabilidade”

A logística reversa e o controle necessário para retorno de partes a condição de uso em muitos segmentos pode ser tarefa bastante difícil e complexa, mas, no caso da aviação, como a base de ativos onde estes materiais reparáveis são aplicados é relativamente menor que de muitos segmentos, este controle se torna mais simples dada a existência de árvores de produto e boa definição dos ativos primários com controles a nível de lotes.
 

Esta atividade se torna mais complexa com uma base de ativos ampla e de baixo valor agregado, podendo não ser economicamente viável. Tendo isto em vista, as práticas abaixo podem surtir bastante efeito para o design desta cadeia de suprimentos:

1 – Definição e controle dos ativos instalados em cada bem primário

2 – Definição de valor mínimo contábil para considerar a viabilidade econômica do reparo da peça frente ao TCO (Total Cost of Ownership) da aquisição da nova + custo de retorno da usada ao ponto de descarte

3 – Políticas de limite de número de reparos ou soft time (remoções antecipadas para evitar que o reparo se torne demasiadamente custoso quando comparado ao valor do bem)

No que tange a gestão do inventário que deve ser destinado a reparo, destaca-se a necessidade de fluxos físicos separados ou gestão visual por meio de etiquetas que destaquem a condição de imprópria para uso na unidade.

Evidenciar o motivo de remoção pode ser um ponto interessante para a gestão de custos com o parceiro de reparo, guiando o mesmo diretamente ao problema da unidade e evitando serviços maiores por desconhecimento da natureza da falha, sendo assim capturar as percepções do técnico de campo sobre a falha pode ser uma maneira bastante efetiva de nortear a oficina subcontratada a não gastar recursos desnecessários validando ou testando o que não é de fato a causa raiz, podendo assim gerar considerável redução. Exemplo: se conseguirmos capturar que uma falha em um atuador hidráulico aconteceu, pois o técnico de campo capacitado para tal notou o vazamento em uma das junções, qual o motivo da oficina abrir todas outras e gastar itens consumíveis e horas de trabalho sendo que o defeito já era conhecido desde a remoção? Outra abordagem que pode trazer benefícios é ter um parceiro especializado nos reparos e que faça isso de forma integrada a cadeia de suprimentos.

A precisão da análise técnica é algo muitas vezes questionável em alguns segmentos e a associação do tipo de falha a peças também são temas que possuem uma base literária ampla e que merecem atenção. Tendo em vista que um percentual dos itens que voltam de campo retornam em boa qualidade e muitas vezes são removidos como parte dos testes ou por conveniência de acesso a unidade danificada, outra boa prática é manter para esses itens que não geram riscos operacionais uma política de inspeção de qualidade e armazenagem temporária, pois se após a troca deste componente a falha voltar a aparecer é possível concluir que o item que foi removido pode estar apto a uso e dessa forma pode retornar ao estoque, evitando custos desnecessárias de reparos e logística.

Como evidências desta prática adotada, notamos em clientes de operações de tecnologia um aumento na satisfação do cliente em decorrência da redução do custo total por evitar reparos desnecessários, a melhoria da disponibilidade peças devido a redução do takt time do processo. O ganho supracitado ainda pode ser maximizado quando tratamos de uma malha logística de alta capilaridade com bases avançadas.
 

É notável a compatibilidade entre os segmentos na prática de avanço de estoque de spare parts, suportado por um planejamento adequado, para que o dimensionamento do inventario não seja uma mera multiplicação do mesmo. Essa prática é altamente recomendável para reduzir o tempo de envio da peça até o local de realização dos serviços.

Para companhias que desejam tomar benefício desta infraestrutura de armazéns avançados a baixo custo, recomendamos a avaliação da malha de armazéns avançados que a DHL e outros operadores dispõe para compartilhamento de espaço e custos correntes destes estoques. Esta metodologia favorece os tempos e custos de envios emergenciais a baixo custo quando comparado com as custas de parada somados aos custos de logística emergencial.

Seguindo para a próxima dor abordada, podemos afirmar que no mundo de gestão de spare parts, para qualquer segmento, é comum encontrar placas ou componentes com o mesmo part number, porém com versionamentos de firmware ou softwares diferentes que podem causar incompatibilidade. Comumente as companhias tendem a criar part numbers próprios para, no recebimento, poder distinguir essas diferenças que fisicamente dificilmente são notadas. A distinção da versão de softwares em unidades deve usar recursos de identificação visual claros e, se possível, travas sistêmicas que possam questionar ou instruir o expedidor a confirmar esta versão antes de concluir transações. Observei companhias que adotam etiquetas, manuais de onde buscar esta validação, pop-ups sistêmicos até mesmo travas que comparam a versão da unidade falhada instalada no ativo inoperante versus a versão que vai ser expedida.

O fato é que a criação de part numbers específicos por versão pode não ser a melhor forma de controle se o software de gestão não for bem parametrizado, podendo gerar entraves de custeio médio e aumento da base de SKUS afetando aspectos de planejamento, logo ressalto a relevância de ter um sistema que comporte este tipo de controle de versão.

O mesmo ocorre no processo de controle de equivalências ou “intercambiabilidade”. A correta configuração e definição de parâmetros por parte da engenharia assegura que as travas sistêmicas evitem equívocos ao fornecer unidades diferentes que atendem a mesma função. A criação de categorizações a serem inclusas no cadastro do item pode variar, mas para fins de materializar a prática de controle utilizada na indústria aeroespacial deixo abaixo um exemplo.

No ato do cadastro de uma unidade, é importante assegurar que a posição que ela deve ser utilizada dentro da árvore do produto possui um mapeamento correto de correlatos, ou seja, associar por número único da posição na árvore do produto todas as unidades que podem ser utilizadas ali, uma vez estabelecida esta equivalência a qualificação entre as peças que podem ocupar determinada posição deve ser feita item a item.
 

Estes parâmetros demandam certa maturidade de integração entre as áreas das companhias e com seus terceiros e operadores logísticos, mas podem ser a solução para muitos problemas de aftermarket e aumento de performance na gestão de custos oriundos de falhas. Falhas as quais podem ser fator de sucesso para a satisfação do cliente ou podem gerar penalidades superiores ao custo de uma cadeia bem gerida.

* Deividy Martins é Gerente Geral de Operações de Spare Parts, Aftermarket e Aviação da DHL Supply Chain.

Fonte e foto: DHL

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